quinta-feira, 4 de junho de 2020

Os conhecimentos astronômicos na Ilha da Páscoa

   
      Ahu Tongariki perto de Rano Raraku, um ahu com 15 moais escavados e restaurados na década de 1990. Fonte: Wikipédia

    Desde sua descoberta pelos europeus, a Ilha da Páscoa surpreendeu pelos enigmas que atraíram sempre atenção dos turistas e curiosos, desafiando a capacidade de análise dos maiores arqueologistas. Foi em 1722 que o Almirante holandês Jacob Roggeveen, de volta da América, descobriu, por acaso, essa ilha, situada a 3900 Km da costa chilena, no Oceano Pacífico. Seu nome resultou de ter sido descoberta num Domingo de Páscoa. O que mais impressionou aos seus primeiros exploradores, dentre eles o Capitão Cook, em 1774, foram as gigantescas estátuas esculpidas em pedra vulcânica, enormes cabeças de 3 a 15 metros de altura, que obedecem a uma estilização muito peculiar e uniforme. Encontraram também estátuas de madeira, em geral de pequeno tamanho, que em cada se pareciam com os monumentos de pedra. Essas pequenas estátuas, chamadas moaikavakava (estátuas de muitos lados) pelos indígenas, representavam as figuras esqueléticas de seus ancestrais. Antes de estudarmos os conhecimentos astronômicos desse povo, convém saber que os historiadores dividem essa civilização em dois grandes períodos. 

     O primeiro, denominado Período Antigo, deve situar-se, segundo S. S. Smith, autor de Radio Carbon Dates from Easter Island, no primeiro milênio da era Cristã, enquanto o Período Médio vai do ano 1100 a 1680. Embora tenha existido uma certa ligação entre as culturas desses dois períodos, sabe-se que a segunda não deve ter sido herdeira direta da anterior. A população do Período Médio não aceitou a que lhe antecedeu e destruiu sistematicamente os seus monumentos. Esses dois povoamentos, entretanto, apresentavam fortes afinidades com as culturas pré-incaicas. Não se encontrou, por outro lado, nenhuma evidência da chegada de polinésios antes do final do Período Médio. Pesquisas nas plataformas de alguns templos em Oronzo, apresentam pisos muito antigos. Parece que o interior dessas casas de pedra eram consagradas ao culto do homem-pássaro. Existiam também observatórios solares nos quais estavam registradas as marcas indicadoras da direção do Sol nascente nos equinócios e nos solstícios do verão e do inverno. Datações pelo carbono 14 do recipiente destinado ao fogo sagrado que era aceso durante os rituais solares permitiu determinar que esses monumentos eram anteriores ao culto do homem-pássaro. Aliás, tudo indica que esse último cerimonial parece ter sido posterior ao Período Médio. Em vários locais ficou evidenciado que os homens-pássaros foram esculpidos no vértice de antigas estátuas representativas do deus Sol. Em resumo, parece que o culto do homem-pássaro dos fins do Período Médio substituiu o culto solar do período anterior. Em algumas estátuas, o arqueólogo norueguês E. N. Ferdon encontrou motivos decorativos de “olhos que choram” sobre pinturas murais de sítios antigos de Oronzo. Os “olhos que choram” possuíam uma grande semelhança de estilo com a arte religiosa do Peru antes dos Incas. Por outro lado, Smith ao descobrir um certo número de ahu, tais como os Ahu Tepeu, Ahu Tebii, e Ahu-te-pitote-kura, sem consultar a W. Mulloy, autor de The Ceremonial Center of Vinapu chegou a conclusão de que esses blocos maravilhosamente ajustados por uma maçonaria ou alvenaria muito fina pertenceram a um período muito antigo. Por outro lado, constatou-se que todos eles estavam orientados astronomicamente segundo os movimentos do Sol, embora a parte superior dos terraços tivesse sido reconstruída durante o Período Médio. Como os arquitetos desse último estágio não fossem adoradores do Sol, eles resolveram aproveitar as fundações dos templos existentes como pedestal para algumas estátuas gigantes, tais como Rano Raraku. Os fabricantes de monumentos do Período Médio, inspirados pelos modelos artísticos do Período Antigo, se opuseram a tribos que os antecederam na concepção de seus monumentos e destruíram as suas estátuas, se bem que reconstruíssem os templos, conservando a sua orientação solar. A única estátua de basalto do Período Antigo que se conservou foi a encontrada no cume do vulcão Rano Kao. Tal estátua, atualmente no Museu Britânico, parece ser uma representação do deus Sol ou do criador que adoravam nos rituais dedicados à fecundidade. A estrutura de um templo do Período Antigo difere em muito dos ahu que foram construídos posteriormente. Não parecem semelhantes, nem na concepção arquitetônica, nem na parte técnico, nem na função para que foram construídos. O exemplo menos alterado foi o ahu Hanga Pankura, em Vinapu, que parece manter a forma antiga, análoga à de uma pirâmide com degraus e base retangular. No Período Médio, elas só possuíam degraus no seu lado interior, dando origem à forma semipiramidal denominada ahu, análoga às que se encontram no Peru. Aliás convém notar que o huaca, modelo de templo mais conhecido do Peru Antigo, assim como o ahu da Ilha de Páscoa eram construídos pela superposição de blocos de grandes dimensões, às vezes, na fachada posterior assimétrica, construíram uma rampa com cascalho.


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão



Publicado originalmente em Jornal do Brasil, 11 de janeiro de 1981

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