Ahu Tongariki perto de Rano Raraku, um ahu com 15 moais escavados e
restaurados na década de 1990. Fonte: Wikipédia
Desde sua descoberta pelos europeus, a
Ilha da Páscoa surpreendeu pelos enigmas
que atraíram sempre atenção dos turistas e
curiosos, desafiando a capacidade de
análise dos maiores arqueologistas. Foi em
1722 que o Almirante holandês Jacob
Roggeveen, de volta da América,
descobriu, por acaso, essa ilha, situada a
3900 Km da costa chilena, no Oceano
Pacífico. Seu nome resultou de ter sido
descoberta num Domingo de Páscoa. O que
mais impressionou aos seus primeiros
exploradores, dentre eles o Capitão Cook,
em 1774, foram as gigantescas estátuas
esculpidas em pedra vulcânica, enormes
cabeças de 3 a 15 metros de altura, que
obedecem a uma estilização muito peculiar
e uniforme. Encontraram também estátuas de madeira, em geral de
pequeno tamanho, que em cada se pareciam com os monumentos de
pedra. Essas pequenas estátuas, chamadas moaikavakava (estátuas de
muitos lados) pelos indígenas, representavam as figuras esqueléticas de
seus ancestrais. Antes de estudarmos os conhecimentos astronômicos
desse povo, convém saber que os historiadores dividem essa civilização
em dois grandes períodos.
O primeiro, denominado Período Antigo,
deve situar-se, segundo S. S. Smith, autor de Radio Carbon Dates
from Easter Island, no primeiro milênio da era Cristã, enquanto o Período Médio vai do ano 1100 a 1680. Embora tenha existido uma
certa ligação entre as culturas desses dois períodos, sabe-se que a
segunda não deve ter sido herdeira direta da anterior. A população do
Período Médio não aceitou a que lhe antecedeu e destruiu
sistematicamente os seus monumentos. Esses dois povoamentos,
entretanto, apresentavam fortes afinidades com as culturas pré-incaicas.
Não se encontrou, por outro lado, nenhuma evidência da chegada de
polinésios antes do final do Período Médio. Pesquisas nas plataformas
de alguns templos em Oronzo, apresentam pisos muito antigos. Parece
que o interior dessas casas de pedra eram consagradas ao culto do
homem-pássaro. Existiam também observatórios solares nos quais
estavam registradas as marcas indicadoras da direção do Sol nascente
nos equinócios e nos solstícios do verão e do inverno. Datações pelo
carbono 14 do recipiente destinado ao fogo sagrado que era aceso
durante os rituais solares permitiu determinar que esses monumentos
eram anteriores ao culto do homem-pássaro. Aliás, tudo indica que esse
último cerimonial parece ter sido posterior ao Período Médio. Em
vários locais ficou evidenciado que os homens-pássaros foram
esculpidos no vértice de antigas estátuas representativas do deus Sol.
Em resumo, parece que o culto do homem-pássaro dos fins do Período
Médio substituiu o culto solar do período anterior. Em algumas
estátuas, o arqueólogo norueguês E. N. Ferdon encontrou motivos
decorativos de “olhos que choram” sobre pinturas murais de sítios
antigos de Oronzo. Os “olhos que choram” possuíam uma grande
semelhança de estilo com a arte religiosa do Peru antes dos Incas. Por
outro lado, Smith ao descobrir um certo número de ahu, tais como os
Ahu Tepeu, Ahu Tebii, e Ahu-te-pitote-kura, sem consultar a W.
Mulloy, autor de The Ceremonial Center of Vinapu chegou a
conclusão de que esses blocos maravilhosamente ajustados por uma
maçonaria ou alvenaria muito fina pertenceram a um período muito
antigo. Por outro lado, constatou-se que todos eles estavam orientados
astronomicamente segundo os movimentos do Sol, embora a parte
superior dos terraços tivesse sido reconstruída durante o Período
Médio. Como os arquitetos desse último estágio não fossem adoradores
do Sol, eles resolveram aproveitar as fundações dos templos existentes
como pedestal para algumas estátuas gigantes, tais como Rano Raraku.
Os fabricantes de monumentos do Período Médio, inspirados pelos
modelos artísticos do Período Antigo, se opuseram a tribos que os
antecederam na concepção de seus monumentos e destruíram as suas estátuas, se bem que reconstruíssem os templos, conservando a sua
orientação solar. A única estátua de basalto do Período Antigo que se
conservou foi a encontrada no cume do vulcão Rano Kao. Tal estátua,
atualmente no Museu Britânico, parece ser uma representação do deus
Sol ou do criador que adoravam nos rituais dedicados à fecundidade. A
estrutura de um templo do Período Antigo difere em muito dos ahu que
foram construídos posteriormente. Não parecem semelhantes, nem na
concepção arquitetônica, nem na parte técnico, nem na função para que
foram construídos. O exemplo menos alterado foi o ahu Hanga
Pankura, em Vinapu, que parece manter a forma antiga, análoga à de
uma pirâmide com degraus e base retangular. No Período Médio, elas
só possuíam degraus no seu lado interior, dando origem à forma
semipiramidal denominada ahu, análoga às que se encontram no Peru.
Aliás convém notar que o huaca, modelo de templo mais conhecido do
Peru Antigo, assim como o ahu da Ilha de Páscoa eram construídos
pela superposição de blocos de grandes dimensões, às vezes, na
fachada posterior assimétrica, construíram uma rampa com cascalho.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Publicado originalmente em Jornal do Brasil, 11 de janeiro de 1981
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