Recebi nos últimos
dias o compartilhamento de uma notícia falsa e muito, muito SENSACIONALISTA, discursando sobre a descoberta de um universo paralelo ao nosso e onde o tempo
"passaria para trás". Não bastasse ser amplamente divulgado em sites (pouco confiáveis quanto à qualidade das informações) e também em mídias de maior nome, muitos veículos de comunicação sequer investigaram a veracidade da informação e atribuíram o que eles chamaram de "descoberta" à Agência Espacial Norteamericana (NASA), adquirindo assim os moldes típicos das notícias
falsas ou sensacionalistas.
Antes de mais nada, é importante dizer que o experimento
ANITA (Antena Impulsiva Transiente da Antártica) é verdadeiro e consiste num
radiotelescópio de várias antenas operando entre 0,3 e 1,5 GHz, instalados num
balão estratosférico. Este projeto tem como objetivo
detectar neutrinos de alta energia, ao contrário do IceCube, que atua na
pesquisa de neutrinos de energias mais baixas. Lembremos que recentemente o
IceCub detectou e identificou a origem de um desses neutrinos.
Em ambos projetos, IceCub e ANITA, tem-se o objetivo de
detectar as partículas finais da interação dos neutrinos com o núcleo da Terra:
os léptons (múons e partículas tau - semelhantes a elétrons densos que decaem
depois de uma pequena "existência").
Os múons e taus percorrem o gelo da região e produzem a
chamada Luz Cherenkov (objeto de estudo do IceCube) e ondas de rádio
(detectadas pela ANITA). É através destas detecções que a energia do neutrino
original é reelaborada.
O envolvimento destas duas tecnologias na "detecção"
de um universo paralelo vem de uma publicação na revista Physical Review
Letters, onde uma equipe liderada por um cientista da Universidade do Havaí (P.
W. Gorham) conclui que haviam detectado um raio cósmico que produziu emissão de
rádio ao atravessar a Terra e que o ângulo e as características de radiação não
correspondem ao que pode ser calculado com o modelo padrão da física de
partículas. O artigo pode ser visualizado AQUI.
Gorham "especula" que se não tratar de um
neutrino tau, essa seria uma nova partícula ("isso pode indicar que
estamos realmente vendo uma nova classe de partículas subatômicas muito
penetrantes"). Estas "especulações" foram emitidas por Gorham em
entrevistas, onde numa outra, ao jornalista da New Scientist, ele discorre que "esta
nova partícula imaginária" deveria violar a simetria do CPT (carga,
paridade e reversão do tempo). Isso soa como uma opinião de Gorham e há de se lembrar que existe muita física teórica
ESPECULATIVA sendo exploradas pelos meios de comunicação, e assim também o fez o New Scientist ao publicar
este ano um artigo popular sobre multiversos e conjunturas que violam o CPT.
Aproveito para citar um autor que adora explorar o assunto no âmbito da física especulativa (que até gosto) mas que deixa bem claro que estamos abordando no âmbito do "e se..." : Michio Kaku.
A primeira vez (ao que parece) que foi publicado uma nota
relacionando os universos paralelos ao neutrino tau e dizendo que a detecção
foi feita por "cientistas da NASA" veio de um tabloide de Bangladesh
(Bangladesh Dhaka Tribune). A NASA simplesmente financiou parte do instrumento
que fica no balão, somente isso. E é muito, muito precoce atribuir a origem da partícula a um "outro universo". Há a necessidade de detecção, identificação e aperfeiçoamento dos resultados por outros pesquisadores. Portanto, não! A NASA não atuou em pesquisa alguma relacionada a descoberta de "outro universo" e é muito incipiente e precoce atribuir a origem da partícula a outro universo.
Fonte: Gustavo E. Romero (Professor Titular de Astrofísica Relativista na Faculdade de Ciências Astronômicas e Geofísicas da UNLP)
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